Estudantes da U-M fazem parceria com brasileiros para iluminar escolas rurais, projetar incineradores avançados
Estudantes da U-M fazem parceria com brasileiros para iluminar escolas rurais, projetar incineradores avançados
Escrita por Fernanda Pires | Fotos e vídeo: Eric Bronson
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Bem cedo pela manhã, um grupo de estudantes da Universidade de Michigan embarca em pequenos barcos no noroeste do Brasil. O sol ainda está baixo no horizonte, mas seus raios já atravessam os imensos galhos das árvores, refletindo nas águas da vasta floresta inundada, uma das maiores do mundo. O céu brilha azul.
SLIDES: Vida selvagem no Pantanal e na Amazônia.
“Shhh!” diz o guia nativo Tito Jonas Cavalcanti Martins, desligando o motor do barco. Todos devem permanecer quietos, sem se mover muito para não interferir na rotina dos locais.
Centenas de espécies de animais terrestres e aquáticos vivem na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, localizada a cerca de 600 km a oeste de Manaus, na confluência dos rios Solimões e Japurá. Esse é o primeiro destino dos alunos do Pantanal Partnership, clube estudantil da U-M.
Nas próximas semanas, esses estudantes de engenharia trabalharão com comunidades rurais em busca de soluções que melhorem suas vidas, como levar energia às escolas e projetar incineradores inovadores. Esses esforços têm como objetivo promover a autonomia local, preservar os habitats únicos da região e impulsionar o ecoturismo como uma fonte sustentável de apoio econômico para os próximos anos.
Com a voz baixa e um facão a mãos para abrir caminho para os barcos, Martins—nascido e criado nessa região rural da Amazônia—fala sobre a singularidade da reserva e sobre um macaco local que não pode ser encontrado em nenhum outro lugar do mundo: o uacari.
Com cauda curta, pêlos brancos e comportamento tímido, esses grandes macacos atraem turistas do mundo todo. Sua característica proeminente: um rosto vermelho brilhante que pode ser visto de longe em meio à verde folhagem.
“O uacari é uma das principais razões pelas quais tantas pessoas nos visitam,” disse Martins, um dos líderes da comunidade ribeirinha onde os estudantes da U-M visitam. “Muitos animais locais desapareceram ao longo dos anos. Estamos determinados a proteger esta área contra a caça ilegal e a exploração imprudente, para que tanto a minha geração quanto as próximas possam manter nossos direitos respeitados, além de usar os recursos naturais de maneira legal e sustentável.”
O pesquisador da U-M Ethan Shirley é um dos fundadores do clube multidisciplinar Pantanal Partnership—que foca em projetos relacionados a tecnologia sustentável, educação e saúde. Ele traz alunos da U-M ao Brasil desde 2010, quando ainda era estudante de graduação.
O ecologista visita florestas sul-americanas desde criança e se tornou um grande aliado das comunidades na luta contra o desmatamento e na promoção do turismo.
“Aqui, o ecoturismo é projetado para ajudar a preservar a natureza,” disse Shirley. “É também uma forma de fornecer recursos à população local, uma alternativa a diferentes tipos de desenvolvimento econômico que podem, na verdade, prejudicar a natureza.”
Estável e em evolução
Desde 2004, Shirley vive e trabalha, em alguns períodos do ano, em áreas naturais do Brasil. Ele fundou o Pantanal Partnership com a ex-aluna da U-M, Julie Bateman, em 2009. Desde então, trouxe cerca de 110 estudantes para o país.
Na viagem deste ano, a Reserva Mamirauá—lar dos macacos uacari—é apenas a primeira parada. A distância e a logística desafiadora—5.500 quilômetros percorridos por aviões, carros e barcos—não desencorajam os estudantes.
“Sempre procuramos comunidades com diferentes questões de conservação para que os alunos tenham múltiplas oportunidades para trabalhar com tecnologia sustentável, ecoturismo e pesquisa ambiental,” disse Shirley.
Atualmente, a maioria dos alunos do Pantanal Partnership é da Escola de Engenharia. Eles têm experiência com a parte teórica, robôs complexos e métodos de fabricação para construir protótipos de última geração nos Estados Unidos. Internacionalmente, o objetivo é sempre encontrar projetos em que possam aprender, colocando as mãos na massa.
“Como organização, queremos ajudar a melhorar a vida das pessoas com soluções tecnológicas sustentáveis e também adquirir experiência em engenharia,” disse a presidente do clube Kera Baad, estudante do último ano de engenharia ambiental. “Todo ano letivo, desenvolvemos e projetamos soluções tecnológicas verdes, construímos e testamos em Ann Arbor, para que no final do semestre, possamos implementar e testar os desenhos no Brasil.”
Energia solar: recarregando a educação e o ecoturismo
Na maioria dos dias, na Escola Primária da Vila Boca do Mamirauá, os estudantes são dispensados duas horas mais cedo, por volta das 10h30. As salas de aula com paredes de tábua de madeira ficam muito quentes.
As temperaturas variam de 25 °C a 35 °C, com alta umidade, muitas vezes excedendo 80%, o que pode tornar a sensação de calor ainda mais alta.
“Começamos a suar e é difícil focar ou aprender qualquer coisa,” disse Ana Lasmar, de 9 anos. “A sala de aula fica muito quente e nossa professora nos deixa ir embora.”
Michael Lasmar de Souza, também de 9 anos, reclama.
“Só conseguimos ficar na escola o horário completo quando o clima está mais fresco, o que é raro,” ele disse. “Quero ser médico, então sei que tenho que estudar bastante. Não quero ficar para trás.”
O acesso à energia tem sido um grande obstáculo para as comunidades ribeirinhas da região, especialmente as mais remotas, como Boca do Mamirauá. É por isso que os estudantes da U-M decidiram voltar lá.
A vila tem cerca de 30 famílias e 120 pessoas—todos nativos amazônicos que vivem na região de forma subsistente por muitas gerações. Construída sobre palafitas, só é acessível à barco. Os moradores se dedicam principalmente à pesca e à agricultura em pequena escala para o próprio sustento.
“Várias famílias acabam mandando seus filhos para a cidade para ter uma melhor educação e mais recursos. Eu enviei meus filhos também. Seria bom se eles ficassem para que pudéssemos permanecer juntos, além de manter nossa história e cultura vivas,” disse Martins.
Prevenir esse tipo de êxodo rural é o ponto central para a Pantanal Partnership, que busca dar autonomia às pessoas em áreas rurais para que possam proteger melhor a natureza ao seu redor.
Atualmente, a eletricidade da Reserva Mamirauá é fornecida por um gerador a diesel que só funciona à noite, das 18h às 21h, para acionar ventiladores, alimentar a TV e recarregar os dispositivos da comunidade.
Realidade prestes à mudar. Armados com furadeiras e cabos, os estudantes da U-M trabalham com os locais para conectar a escola a painéis solares para uso diurno de luz, ventiladores e bebedouros.
No ano passado, Amanda Liss, estudante de mestrado em engenharia elétrica e de computação, viajou com a equipe anterior do Pantanal Partnership para instalar painéis no alojamento comunitário ao lado da escola. Foi quando, conversando com os membros da comunidade, soube das dificuldades enfrentadas pelos estudantes.
“A experiência do ano passado foi impactante e me inspirou a propor este projeto na escola e voltar,” disse Liss. “A energia solar beneficia os ribeirinhos e seus filhos, ajuda a fornecer energia estável. Este trabalho é muito especial porque podemos ver o impacto real e aprender muito sobre o que é ser engenheiro e como resolver problemas no campo.”
Os estudantes da U-M não trabalham sozinhos—vários membros da comunidade ajudam em cada etapa do projeto.
“Espero que a comunidade se desenvolva com o que estamos mostrando a eles e que possam replicar essas habilidades sozinhos depois,” disse Cassidy See, estudante do terceiro ano de engenharia industrial e de operações. “Quando instalamos os painéis solares, por exemplo, fazemos um grande esforço para mostrar a eles o que estamos fazendo, explicar o que está acontecendo para que eles possam aprender e fazer esses trabalhos de forma independente.”
Silas Martins, que co-gerencia a pousada local Casa do Caboclo com sua mãe, Ruth Martins, demonstra esse espírito colaborativo. Ele participa ativamente das instalações das placas e dá toda assistência, entendendo o impacto positivo na sua comunidade.
“Quero ter a capacidade e o conhecimento para fazer o trabalho eu mesmo, então presto muita atenção em tudo o que eles fazem e ajudo o máximo possível,” ele disse. “A energia solar está mudando nossas vidas. Ela nos conecta ao mundo e nos dá a infraestrutura para continuar protegendo nossa floresta e expandindo o ecoturismo aqui.”
Esses são exatamente os desejos da mãe de Silas. Ruth, empreendedora local, quer permanecer na reserva, alavancar seu negócio e manter o legado de seus pais vivo. Seus pais fundaram a comunidade há 31 anos.
“Antes, meu sonho era construir uma vida na cidade, o que fiz por alguns anos,” ela disse. “Agora, quero viver e preservar a floresta para mim, para os meus netos. Quero que eles conheçam nossa história e tudo o que meus pais fizeram e lutaram. Esses painéis solares podem nos dar independência para educar melhor nossos filhos e impulsionar o turismo para que possamos gerar renda e empregos locais.”
Liss, da U-M, ouviu o mesmo de vários membros da comunidade. Muitos consideram se mudar para a cidade devido à crescente preocupação com a falta de recursos locais.
“Seria uma pena deixar a comunidade que eles construíram,” ela disse. “Esta é uma forma de vida tão única e bonita. É importante para nós darmos suporte na construção da infraestrutura necessária para que eles possam sustentar essa cultura e estilo de vida agradável, apesar do apelo da cidade.”
Na beira do Pantanal, superpoderes para reduzir o lixo?
Depois de um longo dia de viagem de quase 1.300 km, de avião e de carro, Shirley e os estudantes da U-M chegam ao Pantanal, uma vasta planície alagada no centro-sul do Brasil. A segunda etapa da jornada os levou até Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, que serve como portão de entrada para esta região rica em vida selvagem.
À medida que eles deixam a cidade, a paisagem urbana dá espaço à rural. A aventura começa na Transpantaneira, uma estrada de terra batida conhecida por suas 120 pontes de madeira, que se estende por 145 km de Poconé a Porto Jofre, perto do Rio Cuiabá.
Após um ano de planejamento, com pesquisa de materiais, desenhos, testes e retestes, é hora de deixar os protótipos de lado e começar a construir o incinerador em Poconé. O acesso limitado à disposição de resíduos sólidos municipais se deve principalmente à geografia difícil da região do Pantanal, restrições econômicas—que limitam o desenvolvimento da infraestrutura—e problemas de gestão.
Essas desafios levam as comunidades a queimar seu lixo principalmente em grandes fogueiras abertas. Com um alto risco de propagação de incêndios florestais, além problemas de saúde decorrentes dessas queimadas, os incineradores de barril metálicos restringem a propagação das cinzas, oferecendo uma solução para as comunidades.
Depois de várias viagens às lojas de ferragens locais e sessões extras de planejamento, a construção do incinerador comunitário está em pleno andamento.
Ansiedade, depois frustração.
“Testamos nosso incinerador com madeira e nos deparamos com muitos problemas,” disse o estudante de engenharia ambiental da U-M Evan Zalek. “A temperatura subiu muito, provocando altas chamas, o que basicamente estava derretendo nosso filtro. Usamos o mesmo material dos testes nos Estados Unidos. Ainda não sabemos por que isso aconteceu.”
Encontrando soluções, finalizando o projeto
Sem tempo a desperdiçar, os estudantes da U-M se reúnem para investigar e entender o que deu errado.
Shirley está ao lado deles.
“Vocês estão enfrentando um problema muito comum,” disse ele aos estudantes. “Frequentemente, nossas equipes projetam algo nos laboratórios de engenharia da Universidade de Michigan. Quando chegam aqui no Brasil, algo acontece e nosso design original funciona de maneira bem diferente do esperado. Tudo bem!
“Vocês só precisam avaliar o que aconteceu, encontrar materiais diferentes e adaptar. Pensar de forma rápida faz parte dos projetos aqui. Isso vai ajudar vocês, futuros engenheiros, a desenvolver essas habilidades e a encontrar soluções mais criativas.”
Para resolver os problemas, eles constroem uma porta lateral no incinerador, encurtam a chaminé, usam uma chapa metálica para criar um telhado que possa capturar partículas e cercam o tambor com tijolos para prender mais calor.
A estudante de engenharia ambiental Chloe Durkee explica que a nova porta facilita a adição de combustível e a disposição do lixo. Ao mesmo tempo, minimiza a perda de calor.
“Não consideramos uma cobertura para a chaminé até nosso primeiro fracasso, mas agora é essencial para os designs futuros,” ela disse. “Ela intercepta partículas, impedindo-as de entrar na atmosfera caso atinjam o telhado com alta velocidade.”
Nos próximos dias, os estudantes conseguem construir um protótipo inicial eficaz.
“Tivemos quatro testes bem-sucedidos em que alcançamos 500°C,” disse Durkee. “Em dois desses testes, queimamos lixo rapidamente, mais ou menos após quatro minutos, o que era nossa intenção.”
Os estudantes vão continuar o projeto no próximo ano letivo. Após os contratempos no Brasil, eles pretendem melhorar a filtração, o fluxo de ar e a retenção de calor ajustando o tambor, adicionando foles e usando isolamento.
“Estou animado para continuar trabalhando neste projeto porque, se fizermos isso direito, pode ter um impacto significativo nas comunidades rurais,” disse Zalek. “Queremos aproveitar este ano para desenvolver e testar nosso sistema e retornar ao Brasil com um sistema resistente e fácil de usar.
“Experiências como essas são integrais para nos tornarmos bons engenheiros. Saber improvisar diante de um problema e projetar de forma cuidadosa pode nos preparar para futuras surpresas, o que inevitavelmente vai acontecer. É uma experiência muito valiosa, que faz você pensar para quem está projetando. Estamos nos tornando engenheiros mais atenciosos.”
Para Celing Li, estudante de robótica e física, o grupo viu o impacto global que os engenheiros podem ter em comunidades—mesmo nas áreas mais remotas.
“Aprendi o quanto podemos aprender uns com os outros, não importa o quão semelhantes ou diferentes somos,” ela disse. “Engenharia não é um caminho reto. Você pode— não, você vai—fazer um plano, testar e acabar voltando à estaca zero. Na maioria das vezes, as salas de aula são ambientes controlados e seguros. Não temos tantas oportunidades de ter que enfrentar resultados inesperados, ou mais especificamente, de resolver problemas usando nossa criatividade na engenharia.
Autonomia para manter os guardiões
Com painéis solares, cabos e conversores à bordo, o time parte para um outro projeto. Desta vez, os estudantes de engenharia da U-M estão indo para a Vila Aterradinho, também no estado de Mato Grosso.
Além de Boca do Mamirauá, o grupo planejou instalar um sistema de energia solar em uma escola indígena rural. Partindo de Porto Jofre, uma cidade próxima a Poconé, no coração do Pantanal brasileiro, eles navegam pelo Rio Cuiabá por quase três horas.
A escola tem quatro salas de aula, cinco professores—que moram no prédio durante a semana—e 50 alunos. A maioria deles chega de barco escolar que atende 25 famílias.
Igor Diniz, aluno do oitavo ano, vai à escola no pequeno barco da família com sua irmã mais nova e sua mãe, cozinheira do colégio.
“Adoro vir à escola e quero ser policial,” disse o garoto de 14 anos. “Tenho que acordar por volta das 5 da manhã para chegar a tempo, mas não me importo. Gosto dos meus professores, amigos e, claro, de aprender, então tento nunca faltar.”
É inevitável durante as temporadas de chuva. Muitas famílias ficam isoladas por semanas devido à subida das águas anuais e seus filhos não podem frequentar a escola.
“A estação chuvosa é desafiadora, então fazemos o possível para ensinar nossos alunos quando estão aqui,” disse a professora Eliane Vieira de Oliveira. “Além das disciplinas regulares, como matemática, português, ciências e estudos sociais, também ensinamos Macro Jê, uma língua indígena local que queremos preservar.”
Depois de uma rápida reunião com as professoras, a equipe da U-M decide onde instalar o novo sistema de painéis solares.
“Escolhemos apoiar a nova rede Starlink deles para garantir internet consistente,” disse Baad da U-M. “A fiação dos painéis e a conclusão da instalação levaram cerca de duas horas. Foi uma experiência gratificante.”
O novo sistema fornecerá eletricidade 24 horas por dia e internet confiável para a escola.
“Ter acesso a uma internet confiável é uma mudança de jogo para essas crianças,” disse Oliveira. “Agora solicitaremos computadores para nossa escola para que os alunos possam explorar aulas interativas e ter materiais extras para tornar o aprendizado mais fácil e divertido. Isso abrirá um mundo de conhecimento que eles não têm e, com sorte, vai ajudar a fechar as lacunas educacionais e proporcionar melhores chances para o futuro.”
Para Shirley, essas experiências e troca de informações e ideias com pessoas locais, que nunca tiveram o benefício de uma educação superior, podem ampliar a criatividade profissional dos estudantes de engenharia.
“Esses são projetos reais com consequências reais que alteraram fundamentalmente as vidas dos estudantes da U-M e de nossos amigos brasileiros,” ele disse. “Por 15 anos, nossos estudantes têm tido um impacto marcante nas habilidades dessas comunidades de lutar e proteger seu meio ambiente e seu futuro.”