Arte visual e teatro na educação e prática do serviço social
Cada bagagem vintage da instalação teatral conta uma parte da história de Rogério Pinto. Esculpidos com diferentes materiais, as malas e baús relatam uma época em que ele foi consumido pela perda de sua irmã Marília, de apenas três anos, e da fase de luto da sua família após a morte dela.
Nascido e criado no Brasil, Pinto, professor e reitor de pesquisa e inovação na Escola de Serviço Social da Universidade de Michigan, encontrou nas artes visuais e cênicas um caminho para enfrentar um passado doloroso, encontrar a paz e o perdão. Ele criou “Marília”, uma peça premiada, readaptada agora como um novo projeto de arte chamado “Reino dos Mortos“.
Esta iniciativa de arte, convida o público a mergulhar em assuntos complexos, desde morte e molestamento parental até etnia, raça, gênero e outras questões. A inslatação teatral abre em outubro na Escola de Serviço Social da U-M, que comemora seu centenário.
“Realm of the Dead” é um projeto autobiográfico que usa o teatro autorreferencial como um veículo de autocura e defesa. Com base na pedagogia e no teatro do oprimido, pretende promover a pesquisa e a prática do serviço social, como ferramentas de reflexão crítica, crescimento pessoal e advocacia.
Ao explorar as quase 30 esculturas da instalação, o visitante conhecerá a jornada de Pinto—que teve uma infância pobre— e o trauma seguido pela morte de sua irmã mais velha, que foi atropelada por um ônibus quando ele tinha 10 meses.
O público também vai reviver a turbulência causada pelo abuso sexual de seu pai, a violência doméstica durante a ditadura militar no Brasil e a chegada de Pinto, aos 21 anos, como imigrante sem documentos na cidade de Nova York em 1987 e os desafios que enfrentou como um homen gay, com gênero não conformista.
“Eu uso o teatro autobiográfico para o crescimento pessoal e auto cura e também para inspirar o público a encontrar maneiras criativas de resolver seus próprios conflitos pessoais,” disse Pinto. “Estou particularmente interessado em inspirar as pessoas a pensarem nos imigrantes pobres de maneira mais humana. Acredito que o nosso envolvimento coletivo na comunidade pode ajudar a tratar de assuntos como a prevenção de acidentes infantis, traumas sexuais e pobreza, que discuto no Reino dos Mortos.”
Megan Leys, estudante de pós-graduação em serviço social na U-M, disse que chorou na primeira vez que leu a peça Marília.
“Fiquei sem palavras pela sua força e impacto. ‘Marília’ me fez pensar na minha própria identidade e posição,” disse ela. “Sobre partes da minha identidade que nem sempre compartilho e me forçou a considerar se tenho vergonha de expressar esses elementos. Isso permitiu que eu olhasse para dentro de mim, para o meu crescimento pessoal e explorasse minha própria identidade.”
No último outono, Leys fez um curso do professor Pinto, que teve como objetivo aumentar o conhecimento dos alunos sobre a diversidade, o racismo, direitos humanos e justiça social e econômica, além de incentivá-los a explorar o poder das abordagens autobiográficas de autocura e defesa.
“Aquelas atividades me proporcionaram um senso de conexão e comunidade e me lembraram por que escolhi trabalhar com serviço social,” disse Leys. “Também provou que a investigação autobiográfica é uma ferramenta eficaz para melhorar nosso próprio trabalho social. Estou ansiosa para ver a instalação pessoalmente neste outono.”
Depois de visitar as instalações, os alunos serão convidados a participar de exercícios pedagógicos. Um deles, chamado “The Hair Dresser”, é baseado nas experiências de trabalho de Pinto nos Estados Unidos, antes de se tornar professor.
O objetivo é ajudar os participantes a praticar improvisação e empatia colaborativa e desenvolver habilidades de escuta em assuntos como luto, perda de um ente querido, pobreza, imigração, identidade de gênero e questões LGBTQAI2 +.
Outro exercício denominado “Momento Marília” é baseado na evocação de Pinto sobre sua irmã falecida para ajudá-lo a enfrentar momentos difíceis de sua vida, como por exemplo, violência homofóbica e falta de recursos como imigrante sem documentos.
Este exercício pede aos participantes que incorporem um gesto ou característica de alguém—que faleceu ou ainda está vivo—e desenvolvam uma estratégia para superar um problema pessoal com base na pessoa em questão.
“Ao compartilhar suas experiências pessoais, vulnerabilidades e sucessos, Pinto cria um espaço seguro onde todos os participantes se sentem confortáveis para revelar o seu verdadeiro eu,” disse Megan Malaski, recém formada em Serviço Social. “O professor criou uma instalação artística que fala muito sobre resiliência. A sua história leva o público a partes do seu passado que o transformaram na pessoa que é hoje.
“Por meio dessas atividades, os alunos podem aprender sobre a interseccionalidade de uma pessoa, como elas são afetadas pelas lentes do mundo e, em geral, que os pontos fortes e resilientes de uma pessoa nem sempre são identificados por nós mesmos.”
O que você colocaria na sua “mala”?
Os espectadores serão encorajados a responder esta e outras perguntas: Como objetos pessoais podem te ajudar a contar uma história sobre quem você é, sobre suas muitas identidades? Como a prática da arte pode apoiar a justiça social em diferentes contextos, considerando a diversidade demográfica, diversidade, equidade e inclusão?
“Recomendo a exploração autobiográfica a todos, e aos estudantes de serviço social em particular, como forma de prepará-los para o ‘uso de si’ na prática do serviço social”, disse Pinto. “É importante imaginar maneiras criativas de ajudar seus clientes a se envolverem em autocura, engajamento em nível de comunidade, envolvimento político, campanhas de envio de cartas e muito mais.”
Marc Arthur, pós-doutorando na Escola de Serviço Social, trabalhou com Pinto em vários projetos, entre eles na expansão de um programa coletivo de arte e justiça social para estudantes de toda a universidade. Para Arthur, o teatro comunitário é um campo em crescimento com poucos limites.
“O projeto do Rogério é profundamente interdisciplinar com um olhar voltado para as artes plásticas, por reunir uma peça teatral e uma instalação de arte na perspectiva do seu trabalho social,” disse. “Raramente, as artes visuais e performáticas se unem em um teatro comunitário como o ‘Reino dos Mortos’.”
A instalação estará em exibição de 4 a 17 de outubro, na Escola de Serviço Social.