Conflito palestino-israelense é sintoma de mundo destruído, mas reparação é possível, diz investigador da U-M

novembro 15, 2023
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Flags during the 35th General Conference of UNESCO, Michel Ravassard, UNESCO Photo Bank Folder: 077 UNESCO: 80298504, Creative Commons: Attribution-ShareAlike 3.0 IGO
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EXPERT Q&A

ANN ARBOR—A guerra Israel-Hamas é sintoma de um sistema disfuncional das Nações Unidas e do Conselho de Segurança, afirma investigador da Universidade de Michigan, ativista da paz israelita e sobrevivente de um ataque anterior do Hamas.

Shimri Zameret
Shimri Zameret

“Este sistema de instituições, leis e normas internacionais que foram criados após a Segunda Guerra Mundial não funciona mais,” disse Shimri Zameret, que ensina e lidera um projecto de investigação sobre o conflito palestino-israelense, governancia global e resistência civil.

“A má notícia é que nosso sistema internacional de pós-guerra foi criado em 1945 e vivemos em um século diferente. Esse sistema não está conseguindo lidar com os problemas globais do século 21: alterações climáticas, atrocidades em massa, pandemias globais e crises financeiras. A boa notícia é que podemos consertar isso.”

Nascido em um kibutz em Israel, Zameret tem familiares e amigos sob ataques diários de mísseis, forçando-os a correr para abrigos algumas vezes por dia. Ele tem colegas que foram mortos ou sequestrados e se tornaram reféns durante o ataque do Hamas em 7 de outubro.

“É um momento devastador,” disse ele, que é casado com a brasileira e socióloga Luciana de Souza Leão. “Há muitos anos, ativistas da paz palestina e israelita afirmam que a situação em Gaza é insustentável e, da forma mais horrível, isto se tornou um senso comum em todo o mundo. Isto faz com que esta crise horrível também seja uma oportunidade para mudança, tanto a nível local quanto internacional. Espero que as pessoas comecem a ver a democracia internacional como resposta ao conflito palestino-israelense e a outros.”

Zameret é especialista no conflito palestino-israelense e em como ele é afetado pela governança global e instituições internacionais como o Conselho de Segurança, as Nações Unidas e o Tribunal Penal Internacional. Nos últimos 10 anos, estudou a estrutura da governação global e as estratégias de mudança social utilizadas pela sociedade civil para mudar esta estrutura global.

Ele compartilha ideias sobre o conflito israelo-palestiniano, seus desafios e o debate sobre a possibilidade—ou não—da paz no Médio Oriente.

O que a sua pesquisa sugere como uma possível solução para o atual conflito palestino-israelense?

Em duas palavras, a única resposta a longo prazo é democracia internacional. O conflito precisa de ser entendido como um sintoma do sistema falido do pós-guerra. Precisamos criar mecanismos democráticos e leis de direito a nível internacional. Precisamos criar um controle democrático, uma responsabilização e aplicação democráticas da lei em organizações internacionais como o sistema das Nações Unidas.

Há décadas, Martin Luther King defendeu uma força policial internacional, uma partilha da soberania dos estados-nações e a criação de uma autoridade supranacional democrática. Seguindo os passos de Mahatma Gandhi, da sufragista Rosika Schwimmer, de Albert Einstein e de outros membros do “Movimento Mundial Único”, King defendeu a democracia internacional. Gandhi disse: “Eu não gostaria de viver neste mundo se não fosse para ser Um Mundo.”

De acordo com seus argumentos, precisamos de um sistema internacional mais forte. Precisamos de uma força policial global, de um sistema de tribunais internacionais forte e democrático, de uma assembleia permanente de cidadãos globais baseada em eleições e de uma assembleia parlamentar das Nações Unidas. Precisamos criar mecanismos democráticos que permitam que os civis comuns de todo o mundo controlem essas instituições internacionais.

Como funcionaria a democracia internacional, considerando a atual atmosfera política que temos hoje?

A democracia é complicada, mas há três coisas que precisamos de ter em um sistema democrático mínimo. Primeiro, elimine o que chamo de ditadura do financiamento. Os países ricos controlam o sistema internacional—o Conselho de Segurança e as operações de manutenção da paz, o FMI, o BIS, o Banco Mundial e a Organização Mundial da Saúde—porque o modelo de financiamento é condicional e voluntário, o que significa que os países ricos (e por vezes empresas ou indivíduos ricos) dão dinheiro para estas organizações internacionais como uma forma eficaz de controlar a política. Assim, para serem independentes, as instituições—parte de um sistema democrático internacional—precisam ter financiamento público independente.

Em segundo lugar, a ditadura do veto. Na era pós-guerra, o Conselho de Segurança da ONU foi encarregado de manter a paz internacional. Ele, e só ele, pode autorizar o uso legal da força e sanções financeiras contra ameaças à paz internacional. Mas no conselho, cinco países superpotências, os EUA, a China, o Reino Unido, a França e a Rússia, podem vetar ou bloquear qualquer decisão. Outras instituições internacionais têm mecanismos semelhantes de poderes de veto formais ou informais. Precisamos retirar este poder de veto das superpotências e passar para o governo da maioria.

A última coisa é a ditadura do executivo. O fato de não haver parlamentares significa que as minorias não estão representadas nas instituições internacionais. Apenas os governos têm poder nas instituições internacionais. A ideia democrática da “separação de poderes,” tais como judicial, executivo e parlamentar, consiste em quebrar o poder político para proteger os cidadãos e criar pesos e contrapesos. No sistema pós-guerra, os governos e o poder executivo não são controlados; nada pode responsabilizá-los ou equilibrá-los. Devemos recriar um mecanismo mais robusto e democrático para as Nações Unidas.

A sua pesquisa também menciona a força da resistência civil no combate a conflitos globais como o conflito palestino-israelense.

Sim. No século passado, movimentos como pelos direitos civis dos EUA, o anticolonial indiano, as revoluções da Europa de Leste fizeram a transição nacional de sistemas antidemocráticos para democráticos, utilizando o que Gandhi chamou de “resistência civil.” Estes movimentos levaram as massas às ruas através de ações diretas, como greves, manifestações que bloqueavam gabinetes de funcionários eleitos, boicotes econômicos e recusas de recrutamento. O mesmo se aplica à democracia internacional: conseguir que aqueles que estão no poder concedam o poder aos cidadãos comuns requer o exercício da força não violenta. Vimos um exemplo clássico em Seattle, em 1999, quando manifestantes e governos globais do Sul fecharam a Organização Mundial do Comércio, o que levou a uma mudança significativa no sistema de comércio mundial.

Temos conflitos como o palestino-israelense porque temos uma espécie de ditadura global. A solução é ter uma democracia internacional e democratizar o sistema global. A maneira de chegar à chave é usar a resistência civil como estratégia.

Você estudou os conflitos globais durante vários anos, mas o palestino-israelense também é muito pessoal. Como você está?

Pessoalmente, estou bem, mas a sociedade israelense está passando por uma espécie de choque, como o 11 de setembro. O governo reocupou partes da Faixa de Gaza, e isso pode ser um fracasso tão grande quanto foi a ocupação do Afeganistão.

Eu fazia parte de um movimento de resistência à guerra de jovens quando tinha 16 anos e morava em Israel. Tínhamos entre 16 e 18 anos e escrevemos uma carta ao então primeiro-ministro Ariel Sharon recusando o alistamento militar. Não queríamos nos tornar soldados porque acreditávamos que o que o governo estava fazendo nos territórios ocupados era imoral e ilegal. Eles nos mandaram para a prisão, e eu passei 21 meses atrás das grades.

Aos 21 anos, comecei a trabalhar para um deputado árabe-israelense e fui esfaqueado e quase morto por um fundamentalista, provavelmente um militante do Hamas ou um militante judeu—o agressor nunca foi pego, então não sabemos ao certo. Ficou claro que fui alvo de alguém que não gostava de um judeu que trabalhava para um membro árabe do Parlamento na promoção dos direitos humanos. Portanto, sei em primeira mão o preço da guerra e da violência e o que está em jogo.

No curto prazo, apoio um cessar-fogo imediato. A percepção dominante de justiça nas sociedades israelense e palestina é a da vingança—olho por olho. Para mudar esse conceito de justiça, devemos sugerir um mecanismo alternativo para aqueles que sentem que uma injustiça foi cometida contra eles. Uma alternativa à violência e à vingança—e o princípio do Estado de Direito pode fazer isso: A justiça pode vir por meio de tribunais internacionais, instituições democráticas e a aplicação dos direitos humanos. O Tribunal Penal Internacional é um bom começo, no qual os criminosos de guerra de todos os lados de um conflito podem ser indiciados. Mas isso não é suficiente; em última análise, a solução é criar um sistema internacional no qual as leis sejam criadas e aplicadas democraticamente.

Essencialmente, precisamos de uma solução em que crianças e seres humanos estejam seguros em ambos os lados da fronteira, em Israel e em todos os outros países. Se eles não estiverem seguros do outro lado da nossa fronteira, nós também nunca estaremos seguros.