Correndo pelo deserto, invadindo montanhas: as mulheres nas Américas e na Europa lutaram por seu lugar no futebol

junho 18, 2019
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Fernanda Pires
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Brazilian soccer player Marta Vieira da Silva, known as Marta, is widely regarded as the best female soccer player of all time. Image credit: Getty Images

Brazilian soccer player Marta Vieira da Silva, known as Marta, is widely regarded as the best female soccer player of all time. Image credit: Getty Images

ANN ARBOR—Os Estados Unidos e vários países europeus estão entre os favoritos da Copa do Mundo Feminina da FIFA 2019, que acontece atualmente na França. A Seleção Brasileira também está entre os 24 times e até agora participou de todas as edições da Copa do Mundo Feminina e do Torneio de Futebol dos Jogos Olímpicos.

Andrei Markovits

Andrei Markovits

Andrei Markovits é professor de Ciências Políticas e Estudos Alemães, na Universidade de Michigan. Ele tem escrito extensivamente sobre como a cultura, o esporte e a política convergem.

Seu livro mais recente é “Women in American soccer and European football,” no qual discute os desafios que as mulheres tiveram que superar para encontrar um lugar no mundo do futebol.

Q: A oitava edição da Copa do Mundo Feminina da FIFA está em andamento. O que isso diz sobre o estado do futebol feminino em todo o mundo?

Markovits: Ter uma Copa do Mundo que “seja feminina” é enorme. Houveram duas copas do mundo nos anos 70, mas elas não eram oficiais, a FIFA não sancionou essas primeiras competições. E em 1991, a primeira copa internacional feminina foi realizada na China, mas ainda era chamada de Campeonato Mundial de Futebol Feminino da FIFA. A FIFA relutou em dar a importância de ser uma Copa do Mundo.

Não foi até 1995 que a primeira vez que este torneio foi chamado de Copa do Mundo Feminina de Futebol. E agora, quando você olha para isto na França, isto é idêntico ao dos homens. Então é um evento internacional patrocinado pela FIFA que é um evento global. O progresso que as mulheres fizeram é incrível. Não é a Copa do Mundo Masculina, mas é um evento muito, muito grande.

Para a seleção norte-americana é incrível também. Pense nisso: em 1991, quando os EUA venceram o campeonato e chegaram ao aeroporto de Los Angeles, elas foram recebidos por “zero” jornalistas. Ninguém da mídia. Olhe agora. Quero dizer, todas as grandes redes cobrem a copa extensivamente. O New York Times tem três ou quatro pessoas lá agora. É realmente um grande negócio.

Q: Em seu livro, você analisa como as mulheres de ambos os lados do Atlântico percorreram caminhos diferentes para entrar no esporte. Como isso se desenvolveu nos Estados Unidos e na América do Sul?

Markovits: Nos Estados Unidos, devido ao Título IX e mudanças demográficas entre muitos outros fatores, as mulheres entraram neste espaço cultural precisamente porque os homens o deixaram em aberto. Os homens vêm ocupando os grandes esportes das equipes norte-americanas: futebol americano (football), beisebol, basquete e hóquei. Então as mulheres entraram em um espaço aberto, não ocupado pelos homens.

E as mulheres têm sido fundamentais em serem agentes para o jogo de futebol como um todo. As mulheres têm sido importantes co-criadoras dessa cultura.

P: Como foi na Europa e na América Latina?

Markovits: Foi exatamente o oposto na Europa, e também na América Latina: esse era um ambiente completamente ocupado pelos homens. Eu diria que, com exceção da Igreja Católica, não consigo pensar em nada mais masculino do que o futebol nesses países.

Em todos os casos, é muito claro que havia um obstáculo no caminho das mulheres. A cada caso!

Na Alemanha, elas não foram autorizadas a jogar em campos oficiais até 1970. Então foram autorizadas, mas com uma bola menor e apenas por 60 minutos, sem usar chuteiras, mas tênis. E elas sempre tiveram que jogar sozinhas no verão para não coincidirem com os homens. As mulheres também tiveram que passar por exames ginecológicos. Era realmente uma maneira de mantê-las fora desse domínio masculino. E mais do que em qualquer outro esporte, precisamente porque o futebol é tão valorizado pelos homens e visto como um ingrediente essencial de sua masculinidade.

Se os Estados Unidos eram um deserto aberto para o futebol feminino; na Europa, as mulheres encontraram uma enorme montanha completamente ocupada por homens e as mulheres tiveram que atacar. As mulheres foram ridicularizadas e nunca levadas a sério neste esforço. Houve resistência a elas em todos os lugares, constantemente.

P: Você prevê que as equipes de mulheres latino-americanas sejam bem sucedidas, como suas contrapartes na Europa?

Markovits: A resistência às mulheres na América Latina tem sido ainda maior do que na Europa, se possível.

Mas as brasileiras, por causa do brilho individual de Marta (Vieira da Silva), Cristiane (Rozeira de Souza Silva) e outras, foram bem sucedidas, apesar de nunca terem vencido. Fico animado pelo desenvolvimento argentino. Quero dizer, a Argentina era absolutamente contra o futebol feminino, mas as argentinas agora estão na Copa do Mundo. Elas conquistaram o primeiro ponto que foi visto como um grande sucesso semelhante a uma vitória real. Então, acho que é apenas uma questão de tempo quando os países latino-americanos se tornarão como a França ou a Inglaterra.

Não se esqueça que na Inglaterra, mesmo seis ou sete anos atrás, o futebol feminino era visto como uma piada completa, mais um exemplo da deformação americana da cultura inglesa e europeia. Era completamente visto como ilegítimo.

Mas não é mais. E foi o sucesso da equipe nacional que mudou a estatura do jogo feminino. Começou há quatro anos com a Copa do Mundo quando o time feminino inglês chegou em terceiro lugar e, mais importante, derrotou as alemãs, o que os homens não fazem em um grande torneio desde 1966. Assim, a seleção da Inglaterra é levada muito a sério.

Q: Existe alguma influência no crescimento do esporte nos Estados Unidos, devido a estrelas como Mia Hamm ou Abby Wambach?

Markovits: Não há dúvida. As principais craques femininas dos Estados Unidos têm uma presença muito maior que as craques equivalentes da Alemanha. Quero dizer, todo mundo conhece Abby Wambach e Mia Hamm e Julie Foudy e Brandi Chastain e Alex Morgan. Mia Hamm apareceu em uma série de comerciais com ninguém menos que Michael Jordan, o mais próximo que se pode chegar de uma divindade esportiva na cultura americana. Não dá para ficar maior que isso.