Crise no sistema penitenciário brasileiro gera grande agitação civil

janeiro 23, 2017
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Ashley Lucas.ANN ARBOR—Tensão, violência e mortes dentro das prisões brasileiras. Somente nos primeiros 15 dias do ano, em meio a disputas de gangues, cerca de 135 presos foram assassinados nas prisões do país, incluindo massacres em três estados: Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte.

Ashley Lucas, professora do Departamento de Música, Teatro e Dança e diretora do Prison Creative Arts Project (PCAP) da Universidade de Michigan, disse que este nível de violência provoca um estado de grande agitação civil à população do Brasil. O governo de Michel Temer e os responsáveis em dirigir as prisões brasileiras deveriam ser julgados por não conseguirem proteger as pessoas mais vulneráveis do país.

Q & A with Lucas

P: O sistema carcerário no Brasil é considerado um caos, uma “fábrica” que torna os criminosos ainda mais perigosos. A transformação dessa realidade é possível?

Lucas: Todos os sistemas penitenciários enfrentam a perigosa possibilidade de causar mais danos a pessoas cujas vidas estavam, muitas vezes, em caos antes de serem encarceradas. Não podemos fazer nada de bom para a segurança pública ou para as pessoas na prisão até que comecemos a tratar cada prisioneiro como uma pessoa digna de direitos humanos e educação. Isso significa não permitir que as pessoas vivam em condições superlotadas, insalubres e perigosas. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, temos uma grande população encarcerada. As pessoas que cometem delitos menores devem ser desviadas das prisões. As pessoas que precisam de tratamento de drogas e álcool devem ser enviadas para centros de tratamentos. As pessoas que cometem crimes porque não têm esperança devem ter oportunidades de viver de forma diferente e ter expectativas realistas de uma vida melhor se pararem de cometer crimes. Se quisermos que a nossa sociedade seja mais segura, temos que investir em todas as pessoas na nossa comunidade. Tudo isso é possível, mas somente se decidirmos que a segurança pública e a dignidade de todos é mais importante do que a punição e a desigualdade estrutural.

P: As prisões brasileiras são dominadas por facções que, além de criar um poder paralelo interno e externo, agora disputam o comando do tráfico internacional entre os países vizinhos do Brasil. O Estado é cúmplice no avanço do crime organizado?

Lucas: O Estado desempenha um papel enorme na criação das condições econômicas do tráfico de droga nas suas próprias fronteiras e nos países vizinhos. A demanda por drogas ilegais nos EUA teve um imenso impacto nas economias do México, Colômbia e outras partes da América Latina. A criminalização do comércio de drogas em qualquer país torna o negócio de compra e venda de drogas muito mais lucrativo para traficantes e governos. O governo tem um sistema institucional estratégico para manter as divisões de classes, atacando desproporcionalmente um grande número de pessoas pobres, sem instrução, de pele escura e jovens.

P: Acompanhamos uma onda de barbárie em presídios no Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, com presos massacrados, decapitados em uma disputa entre facções rivais. Onde o Brasil errou?

Lucas: O Brasil agiu mal com as prisões, da mesma forma que os EUA. Temos muita gente encarcerada. Temos prejudicado jovens, pobres, os sem educação e os negros. E decidimos que as pessoas que estão na prisão não merecem direitos humanos básicos. Damos as costas ao seu sofrimento e justificamos nossas ações dizendo que essas pessoas merecem essa realidade por uma quebra no contrato social. Se tentássemos mudar as terríveis desigualdades sociais que causam a maior parte da violência e do crime, não veríamos a necessidade de tantas prisões. Poderíamos gastar nosso dinheiro em escolas e a saúde.

P: Dados apontam que os presídios brasileiros estão superlotados e muitos dos presos são réus primários ou não tiveram a situação definida pela Justiça. A lentidão da Justiça contribui para o problema?

Lucas: “A justiça demorada é justiça negada” é um princípio legal invocado na lei britânica e nos Estados Unidos desde a década de 1840. As palavras foram mais citadas nos Estados Unidos durante o Movimento dos Direitos Civis da década de 1960, quando os negros lutaram pela igualdade de direitos diante da violência generalizada e horrível. Pense sobre a tortura em ser preso e aguardar julgamento por anos. Isso acontece com muita gente no Brasil e nos Estados Unidos. Como isso pode ser justo?

A man sits behind bars in a Brazil prison.P: O governo brasileiro divulgou um Plano de Segurança onde promete a construção de mais presídios. Atacar a consequência é a melhor forma de agir?

Lucas: Toda vez que um governo constrói uma prisão, há um enorme incentivo para preenchê-la. Construir mais prisões leva apenas a mais abusos de direitos humanos e os estudos mostram consistentemente que mais prisões causam mais crimes. Se os prisioneiros brasileiros não vivessem em um estado de tamanha superpopulação e com tão pouca proteção do seu próprio governo, não haveria decapitações.

P: O que os presídios estrangeiros podem nos ensinar?

Lucas: Vários países escandinavos têm sistemas prisionais que funcionam muito melhor do que nos Estados Unidos e no Brasil. Esses países têm índices bem menores de criminalidade e encarceramento. O que eles procuram desde o momento em que um detento entra no sistema prisional é como melhor prepará-lo para a liberdade. As prisões deveriam ser um lugar onde ajudamos as pessoas a se capacitarem para a vida, para que não tenham necessidade ou o desejo de cometer novos crimes ao serem libertados.

 

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