Em busca de um senso de lugar: estudantes da U-M e brasileiros trabalham juntos para construir uma forte comunidade
SÃO PAULO – Residentes e voluntários trabalham pesado para limpar os entulhos e recolher os detritos provocados por uma recente tempestade que destruiu dezenas de casas e a sede da associação dos moradores da Ocupação Anchieta, uma comunidade formada há quatro anos, que era área de despejo ilegal de lixo.
Assim que terminarem a limpeza da área, uma equipe de construção começará a levantar um galpão cultural, um lugar onde de aprendizado e diversão para as 1.000 crianças da comunidade. Este novo espaço afetará as vidas de mais de 650 famílias, que vivem abaixo da linha de pobreza. Eles são vítimas de um problema social comum na maioria dos países em desenvolvimento: urbanização não controlada.
A propriedade ocupada tem uma área de 220 mil metros quadrados, dos quais 136 mil eram de Mata Atlântica primária. Empurrados para a periferia, os habitantes vivem em barracos construídos a partir de materiais descartáveis. Entre outros problemas, a falta de infra-estrutura sustentável, o desmatamento sem controle, a água e o solo poluídos.
O número de famílias que se abrigam em áreas de desmatamento das zonas periurbanas é cada vez maior e corresponde ao crescimento das populações em cidades como São Paulo. Essas novas ocupações não recebem investimentos e atenção política, em comparação com favelas urbanizadas. Moradores informais, como Elizabeth da Silva, sofrem devido à essa negligência da intervenção pública inicial.
“Nossos filhos vivem nas ruas, sem ter um lugar de lazer, para brincar ou encontrar seus amigos,” disse da Silva, que se mudou para a comunidade com o marido e filho de 12 anos, quatro anos atrás, quando a ocupação foi formada.
A área cultural oferecerá uma programação educacional, de lazer e cultural diária. Será um espaço seguro onde jovens, mulheres e moradores desempregados poderão interagir, se divertir, aprender e fazer novas amizades ao longo das atividades.
“Temos que dar prioridade às nossas filhos,” disse da Silva. “Eles precisam de um espaço para si e para as atividades. Só assim eles vão se afastar das drogas e da prostituição. Se as crianças têm conhecimento, elas têm uma chance maior de se tornar um adulto melhor.”
À medida que novos residentes reivindicam espaço, a ocupação sofre
um choque extremo entre a proteção ambiental e o direito à moradia. Pobreza, habitação precária e infra-estrutura de baixa qualidade ameaçam a saúde pública e degradam os recursos naturais.Para lidar com os conflitos entre o direito a uma habitação digna e um ambiente saudável, os moradores informais e os proprietários de terras aceitaram a parceria com a Universidade de Michigan, liderado por professores e estudantes do Colégio Taubman de Arquitetura e de Planejamento Urbano.
A brasileira Ana Paula Pimentel Walker, professora assistente de Planejamento Urbano e Regional, e María Arquero de Alarcón, professora associada de Arquitetura e Planejamento urbano, visitaram pela primeira vez a comunidade em outubro de 2016. Desde então, retornaram com equipes multidisciplinares para se encontrar com os residentes e parceiros, para coletar amostras de água e solo. O grupo também usou um drone para mapeamento do ar e para ajudar no projeto de melhorias da atual infraestrutura.
A equipe da U-M colaborou com parceiros do Instituto Anchieta Grajaú, uma organização local sem fins lucrativos e proprietária da propriedade, com a associação de moradores e uma extensa rede de colaboradores. Eles desenvolveram e executaram pesquisas abrangendo os familiares, realizaram reuniões e identificaram as necessidades e objetivos da comunidade.
“A tração que nossa equipe conseguiu é impressionante e inspiradora,” disse Laura Devine, estudante de mestrado em arquitetura na U-M, que passou dois meses em São Paulo no verão passado. “Ajudar a implementar nossos projetos para ter um impacto real e duradouro na comunidade tem sido uma experiência desafiadora, mas gratificante.”
Devine diz que o projeto está mantendo sua participação durante vários semestres pelos benefícios tangíveis.
“A dedicação da equipe e dos parceiros brasileiros mostra que podemos alcançar impactos reais nas comunidades com paciência e persistência,” afirmou.
“Este capstone é importante para os nossos estudantes norte americanos e para os alunos que vieram de diferentes partes do planeta. Eles estão aprendendo como o direito à habitação e o sistema de propriedades privadas funcionam em um país diferente e como as comunidades adquirem terra e asseguram moradia,” disse Pimentel Walker. “Eles também estão conhecendo as consequências da justiça ambiental nas áreas não planejadas e sendo capazes de avaliar as semelhanças e as diferenças de seus países.”
Plano de ação
Com base nos pedidos da comunidade, os alunos da U-M desenvolveram um projeto que inclui:
- A criação de um centro cultural com programação ambiental e um parque infantil para atender cerca de 1.000 crianças que vivem na ocupação.
- Protótipos alternativos de habitação e infra-estrutura descentralizada e comunal de esgoto. O objetivo é co-desenvolver esta tecnologia com parceiros locais, que têm potencial para catalisar fundos externos e um plano de micro poupanças entre os moradores para impactar as 650 famílias.
- Protótipos pequenos e educacionais de infraestrutura verde para limpar a água e reflorestar as áreas do riacho e das nascentes. A restauração do riacho será medida pelo nível de árvores e vegetação plantada; teste de água e solo antes e depois da restauração.
- Um plano de gerenciamento de resíduos: a implementação de um programa educacional e de reciclagem com lucro tem o potencial de impactar todas as famílias, que se beneficiarão de um ambiente mais limpo, além de ajudar aqueles que ganharão dinheiro vendendo os materiais recicláveis.
- Um plano de comunicação para coletar e divulgar estratégias de gestão ambiental em ocupações mais jovens.
Charisma Thapa diz que este projeto foi perfeito para ela. Nascida e criada no oeste de Michigan, mas com a família originalmente do Nepal, ela concentra seus estudos no planejamento global e comparativo.
“Minha parte favorita da viagem foi conhecer e me envolver com os moradores e aprender suas necessidades,” disse ela. “Eu também gostei de trabalhar com os estudantes de arquitetura pela primeira vez. Agora, eu entendo um pouco mais sobre seus pensamentos e abordagem. Foi uma grande experiência de aprendizado.”
De acordo com os estudantes, 19% das famílias visitadas usam fossas sépticas e o restante descarta resíduos humanos diretamente nos corpos hídricos (d’agua). O sistema de gerenciamento de resíduos é deficiente, com caçambas de lixo abarrotadas, lixos jogados nas estradas, na água e queimados em espaços abertos e nos quintais dos residentes.
A poluição da água é um grande risco para os riachos sazonais e a nascente natural da região de Minas. É agravada por infra-estrutura deficiente e capacidade limitada dos residentes para a descarga adequada de resíduos líquidos e sólidos. A maioria deles tem um banheiro dentro de sua casa, mas os sistemas de esgoto são inconsistentes.
Pensando globalmente
Os alunos tiveram que pensar de maneira global, compreender as configurações culturais, ouvir atentamente seus clientes e parceiros locais e encontrar uma maneira de equilibrar soluções com os desejos dos clientes, de acordo com Arquero de Alarcón.
“Nós trazemos conhecimentos técnicos, mas precisamos aprender com a forma como eles desenvolvem projetos nesse país específico,” disse ela. “Foi um grande desafio para nossos alunos, mas realmente gratificante.”
Três das cinco recomendações já receberam financiamento do Ford Community Challenge Award (galpão cultural) e da Dow Sustainability Award (protótipos de habitação). As verbas, que totalizam US $ 65.000, também irão financiar o esgoto descentralizado e o plano de comunicação.
“Com essas estratégias combinadas, queremos trabalhar com membros da comunidade para aumentar a resiliência deles, inspirar outras ocupações, beneficiar a bacia hidrográfica e fazer uma reflexão sobre a importância de instigar práticas urbanas mais sustentáveis na região sul do planeta,” disse Pimentel Walker.
A estudante de mestrado da U-M, Antonela Sallaku, diz que a experiência no Brasil foi muito mais do que ela imaginava.
“Aprendi sobre as pessoas, a cultura delas, suas vidas e o quanto podem ser diferentes,” disse. “Eu experimentei conexões individuais com muitas pessoas em busca de soluções para seus problemas. A comunidade tem enfrentado muitos problemas com a esperança de que finalmente eles conquistem a posse da área onde se instalaram para viver anos atrás. Espero que eles consigam.”