Em parceira com a Universidade de Michigan, Clínica de Tráfico Humano é novidade na UFMG
A Faculdade de Direito da Universidade de Michigan trabalha em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais na criação de uma nova clínica contra o tráfico humano, semelhante à clínica legal que a U-M tem. Os estudantes de Direito vão representar pessoas interessadas, que foram forçadas ao trabalho escravo no Brasil, maior país da América do Sul.
A abertura da clínica mineira, que começa a funcionar dia 02 de março, junto com o ano letivo, acontece em um momento importante na luta contra o tráfico. Só no ano passado, de acordo com a Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho, 1.590 trabalhadores foram resgatados de situação semelhante à escravidão. Minas Gerais foi o estado com o maior número de casos: 354 trabalhadores foram libertados. Goiás ficou em segundo lugar, com o resgate de 141 trabalhadores, seguido por São Paulo, com 139 casos.
“Infelizmente, o Brasil é uma fonte, um destino e um ponto de trânsito para homens, mulheres e crianças submetidas ao tráfico humano e trabalho escravo,” diz Carlos Henrique Haddad, juiz federal no Brasil e membro da Faculdade de Direito da UFMG. “Eu acho que a nova clínica vai ajudar vítimas de trabalho escravo no Brasil, e esta é também a nossa oportunidade de colaborar em casos internacionais e além das nossas fronteiras.”
A ideia da colaboração surgiu quando Haddad estava na U-M, como bolsista pesquisador do programa “Michigan Grotius”, no segundo semestre de 2014. A diretora da clínica da U-M, Bridgette Carr, ficou sabendo que Haddad tinha decidido mais de 50 processos criminais envolvendo trabalho escravo, e os dois começaram a discutir um modelo de clínica que poderia ser aplicado no Brasil.
“Eu admiro profundamente os esforços do Brasil em combater o trabalho escravo”, diz Carr. “Eles são líderes mundiais em muitas áreas — e estão atacando o trabalho escravo de uma forma que não vemos em outros países.”
“Nós queremos acreditar que o problema não é muito grande nos Estados Unidos e que ele está sempre em outro lugar — mas não em nossas comunidades. Engano, está sim em todas as comunidades,” acrescenta Carr. “O Brasil, por outro lado, é uma nação onde eles realmente estão enfrentando a realidade do trabalho escravo de frente. Eles não tem mais dúvidas e estão trabalhando para combater o problema.”
Firmar parcerias com outras universidades ao redor do mundo vai ajudar a combater o tráfico de seres humanos em nível mundial, diz Carr. “Vemos em nossos próprios casos, que os traficantes atravessam as fronteiras, e as soluções jurídicas também precisam atravessar. Já representamos clientes de todo o mundo que tem sido explorados nos Estados Unidos, inclusive do Brasil. Nós podemos ajudá-los aqui, mas os traficantes são experientes o suficiente para obrigá-los a serem julgados em casa. Com parcerias internacionais, podemos tirar uma ferramenta importante utilizada pelos traficantes.”
Em 1995, o Brasil criou um sistema oficial contra o trabalho escravo. O relatório Global do Índice de Escravidão de 2013 (The Global Slavery Index 2013 report), publicado pela fundação “Walk Free”, elogiou os esforços do país. “A ‘lista suja’do Brasil divulga nomes de quem explora e tem lucro com o trabalho escravo”, diz o relatório.
“As empresas, tanto as de grande porte quanto as menores, permanecem na lista por dois anos, tempo em que elas têm de provar que estão trabalhando para eliminar as cadeias de suprimentos. Elas não podem obter crédito do governo e dos bancos privados e são boicotadas.” Além disso, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil foi lançado em 2005 e reúne várias partes interessadas que estão empenhadas em eliminar a escravidão moderna.
“O Brasil está se esforçando e gastando uma grande quantia em dinheiro, para tentar reduzir ou eliminar este problema social,” diz Haddad.
Inicialmente, oito estudantes participarão da clínica da UFMG, que será dirigida por Haddad e pela professora e Doutora em Direito do Trabalho, Lívia Miraglia. A clínica não será uma réplica exata da existente em Michigan, ou mesmo de sua afiliada na cidade do México, mas será baseada em uma estrutura semelhante, em que os alunos trabalham com membros do corpo docente para representar as vítimas de trabalho escravo.
“Em Michigan, assisti a algumas aulas da Professora Carr. Vi o grande comprometimento dos alunos e uma formidável conjunção entre a teoria jurídica e o desenvolvimento de competências práticas,” diz Haddad.
“Estou muito animado para iniciar uma clínica na nossa Escola de Direito e para adaptá-la ao nosso sistema legal.” A unidade do Brasil será chamada “Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas”. Como o próprio nome sugere, a terminologia para este fenômeno varia.
“Tráfico de seres humanos é um novo nome para o que é um fenômeno histórico”, diz Carr.
“Também pode ser chamado trabalho escravo, mão de obra forçada, servidão por dívida, servidão involuntária. No fundo, o significado de todos esses termos é exploração de uma pessoa para um serviço.”
Carr disse que espera que os alunos no Brasil, como também seus próprios alunos, saiam dessa experiência na clínica com a compreensão de como eles podem afetar, dramaticamente, a vida das pessoas.
“Eu quero que os alunos saiam sabendo que eles têm habilidades e poder como advogado para combater problemas globais complexos dos direitos humanos”, diz Carr. “Muitas vezes, acho que os estudantes de Direito se esquecem que ser advogado é uma profissão muito poderosa, e quero que os alunos da clínica se lembrem desse poder e descubram maneiras de usá-lo para o resto da sua carreira.”