Molécula antibiótica permite que o sistema imunológico mate as células infectadas pelo HIV
Os pesquisadores descobriram uma arma potencial inesperada contra a proteína do HIV.
Desde que os primeiros casos da doença misteriosa que apareceu no início dos anos 1980 e culminaram na pandemia do HIV/AIDS, pesquisadores têm procurado maneiras de superar o vírus mortal. Agora, devido a terapias anti-retrovirais, as pessoas com HIV podem ter uma expectativa de vida relativamente normal—contanto que tomem seus medicamentos todos os dias.
“Se eles pararem o tratamento, em pouco tempo, o vírus se recupera e se redefine em altos níveis como os vistos antes de começar as medicações—e esse parece ser o caso mesmo após décadas de terapia”, diz Mark Painter, estudante de doutorado do Departamento de Microbiologia e Imunologia da Escola de Medicina da Universidade de Michigan.
A razão é que o HIV pode se esconder dentro do genoma humano, adormecido e pronto para emergir a qualquer momento. Por causa disso, uma verdadeira cura para o HIV depende de despertar o vírus latente e eliminá-lo antes que ele tenha a chance de se apossar novamente das células do corpo, uma abordagem conhecida como choque e morte.
Sob direção da professora de medicina interna, microbiologia e imunologia, Kathleen Collins, o time trabalha para encontrar uma arma para matar o HIV, visando uma proteína chamada Nef. Em 1998, Collins descobriu que o HIV usa a Nef para escapar do sistema imunológico do corpo, substituindo o funcionamento de uma proteína na superfície da célula que permite que as células imunológicas saibam que determinada célula está infectada e da necessidade de eliminação dela. Ao desativar essa proteína, chamada MHC-I, as células infectadas são capazes de se proliferar.
A pesquisa tentou determinar se já havia uma droga ou molécula no mercado aprovada pelo FDA que pudesse substituir a Nef, restaurar o funcionamento do MHC-I e permitir que o próprio sistema imunológico do corpo, especificamente as células conhecidas como linfócitos T citotóxicos, reconhecessem as células infectadas pelo HIV e as destruíssem.
“Começamos rastreando uma biblioteca de 200.000 pequenas moléculas e não encontramos nenhuma inibindo a Nef,” diz Painter.
O grupo então entrou em contato com o professor de pesquisa do U-M Life Sciences Institute, David Sherman, cujo laboratório estuda a biossíntese de produtos naturais de micróbios, como as cianobactérias.
“Muitas vezes, as moléculas sintéticas têm um peso molecular bastante baixo, o que significa que são bastante pequenas. E se você precisar interromper uma grande superfície ou interface de proteína, como com a Nef, uma molécula pequena não terá um bom resultado ou não funcionará,” explica Sherman. “Uma biblioteca de produtos naturais como a do LSI, por outro lado, terá moléculas com uma grande variedade de pesos e tamanhos.”
Depois de examinar cerca de 30.000 moléculas, eles descobriram que uma classe de moléculas de antibióticos chamada pleicomacrolides inibia a Nef.
“Os pleicomacrolides são amplamente usados em experimentos de laboratório quando você deseja desligar o lisossoma. Por isso, são considerados tóxicos e arriscados de se usar como remédios,” disse Painter.
O lisossoma é uma organela celular essencial usada para quebrar partes de células desgastadas, vírus e bactérias.
Contudo, a equipe determinou que um pleicomacrolide chamado concanamicina A inibe a Nef em concentrações muito mais baixas do que as necessárias para inibir o lisossoma.
“Como principal composto para o desenvolvimento de medicamentos, é bastante emocionante porque podemos usar uma dose muito baixa e inibir a Nef sem toxicidade de curto prazo para as células,” disse Painter.
Em um experimento de prova de conceito, eles trataram células infectadas com HIV expressando a Nef com concanamicina A e descobriram que células T citotóxicas eram capazes de limpar as células T infectadas.
“Tem sido extremamente gratificante ver este projeto, que começou em meu laboratório há mais de uma década, finalmente dar frutos. Eu esperava que encontrássemos algo que funcionasse tão bem quanto este composto, mas isso nunca foi uma garantia de que realmente teríamos sucesso. Esse tipo de pesquisa é arriscado, mas extremamente importante por causa da recompensa potencial,” diz Collins.
Mas ela acrescenta que a molécula ainda não está pronta para ser usada como medicamento no tratamento de pessoas infectadas pelo HIV.
“Mais pesquisas serão necessárias para otimizar o composto. Teremos de separar ainda mais a potente atividade inibitória do Nef do efeito mais tóxico na função lisossomal para torná-la uma terapia viável,” diz.
Artigo (nome em inglês): “Concanamycin A counteracts HIV-1 Nef to enhance immune clearance of infected primary cells by cytotoxic T lymphocytes,” PNAS.
DOI: 10.1073/pnas.2008615117