Nova exposição é testemunho silencioso da tragédia humana na atual crise migratória
O antropólogo Jason De León espera levar a exposição ‘Hostil Terrain 94’ a 94 comunidades. Até agora, 50 organizações pediram para fazer parte deste projeto.
ANN ARBOR—Uma jovem pendura uma etiqueta amarela em um gigantesco mapa do Arizona pintado na parede. Junto à ela, outras 3.000 etiquetas de pé usadas em cadáveres estão penduradas ao longo da fronteira com o México. Cada uma representando uma pessoa que morreu tentando atravessar a fronteira através do deserto de Sonora.
Este é “Terreno hostil 94”, o novo projeto do antropólogo da Universidade de Michigan Jason De Leon, que em colaboração com o fotógrafo Michael Wells e a artista/curadora Lucy Cahill, presta homenagem àqueles que morreram em rota para os Estados Unidos, usando as etiquetas para lembrar até mesmo aqueles que não foram identificados.
A nova exposição, apresentada pela primeira vez como um protótipo em janeiro no Museu Phillips of Art, Franklin & Marshall College, em Lancaster, Pensilvânia, obriga os espectadores a ser testemunhas oculares, os convidando para preencher as etiquetas à mão, a data de listagem, a localização da morte e o estado em que o corpo foi encontrado. Alguns têm nomes, idades. Muitos outros não foram identificados.
Foram as famílias em luto dos migrantes que inspiraram a experiência visceral, diz De León.
“Uma coisa é ir ver uma exposição. Outra coisa é se comprometer por algumas horas para preencher essas etiquetas à mão e construir esse memorial,” disse ele, acrescentando que quer criar uma experiência o mais pessoal possível.
“Quando terminamos o muro em Lancaster e recuamos um passo, todos começaram a chorar ou tiveram que dar uma volta,” disse ele.
De mochilas a cadáveres
Leon começou seu trabalho sobre a imigração coletando objetos descartados por imigrantes no Deserto de Sonora: mochilas, casacos cor de rosa, retratos, sapatos e artigos pessoais, e fundou o “Projeto Imigrante Indocumentado“, que usa a etnografia, arqueologia, antropologia visual, e linguística para tentar formar um quadro completo da experiência do migrante.
Assim nasceu seu primeiro projeto, “State of Exception”, no qual De León desfoca a linha entre arte e antropologia. Esse projeto, que estreou no Instituto de Humanidades da UM em 2013, foi apresentado recentemente na Escola Parson de Design em Nova York em 2017, no qual De León e sua equipe construíram uma parede com mais de 800 mochilas abandonadas que eles coletaram no deserto.
De León disse que quando encontrou pela primeira vez objetos abandonados por imigrantes no deserto, ficou fascinado e chocado. Mas a comoção rapidamente se transformou em tristeza quando De León e seus alunos também descobriram restos humanos, disse ele.
A tentativa dos pesquisadores de identificar esses restos causou uma grande mudança no trabalho e vida de De León, uma mudança detalhada em seu livro, A Terra das Sepulturas Abertas: Viver e Morrer na Trilha dos Migrantes “(2015), (La terra dos túmulos abertos: vivendo e morrendo no caminho do migrante).
Nele, De León conta como sua equipe encontrou o corpo sem vida de uma mulher e passou horas esperando as autoridades virem procurá-lo. Essa experiência os levaria a explorar em mais profundidade os efeitos da imigração indocumentada, os efeitos que a política de imigração dos Estados Unidos têm na fronteira sul, bem como o que acontece com os corpos daqueles que não podem atravessar o deserto.
De León – que recebeu a prestigiada bolsa de estudos “Gênio” MacArthur em 2017 – também conta como a equipe pôde eventualmente identificar a mulher e estabelecer laços com seus entes queridos.
“Parte da minha motivação vem de ter recuperado os restos mortais, que remontam uma mulher chamada Maricela,” diz De León. “Conheci sua família e continuei a trabalhar com eles e outras famílias dos desaparecidos e dos mortos. Foram tempos difíceis, mas eles me inspiram a continuar com este trabalho para aumentar a conscientização sobre essas pessoas”.
Terreno
De León e sua equipe estão procurando 94 comunidades que querem organizar sua própria exposição. Até agora, 50 comunidades se comprometeram a apresentar o trabalho, incluindo universidades e organizações em Honduras, México, Itália e Reino Unido, bem como várias organizações em 24 estados, incluindo Texas, Arizona, Califórnia, Nevada, Washington, Oregon, Utah. Idaho, Pensilvânia, Utah, Mississippi, Iowa, Indiana, Tennessee, Illinois, Flórida, Geórgia, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Maryland, Massachusetts, Vermont, Nova York e Michigan. Na maioria dos casos, não será realizado em espaços formais de exposição.
A equipe De León está projetando kits de instalação para cada uma das 94 comunidades.