O paradoxo da solidão: Como as narrativas da mídia moldam nossa solitude

fevereiro 26, 2025
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Pesquisa discute porque a maneira como falamos sobre ficar sozinhos pode estar nos deixando mais solitários

Concept illustration of a person struggling with loneliness. Image credit: Nicole Smith, made with Midjourney

ANN ARBOR — Em uma era de hiperconectividade, a solidão foi declarada uma epidemia global, com consequências significativas para a saúde mental e física. Campanhas de saúde pública e discussões na mídia há muito buscam combater essa crise — mas será que podem estar piorando o problema?

Uma nova pesquisa da Universidade de Michigan revela um paradoxo: a forma como a mídia retrata o ficar sozinho—embora bem-intencionada—pode agravar a solidão ao influenciar negativamente as crenças das pessoas sobre estar sozinho.

Uma análise aprofundada de 144 artigos de jornais líderes dos EUA, e de outros países, incluindo o Brasil—publicados entre 2020 e 2022—revelou uma tendência marcante: ficar sozinho é amplamente retratado como um estado negativo, até mesmo perigoso. Essas reportagens têm 10 vezes mais chances de descrever estar só como algo prejudicial do que benéfico.

Micaela Rodriguez
Micaela Rodriguez

“O discurso público generalizado sobre os perigos de estar sozinho pode estar causando mais mal do que bem,” disse a autora principal e doutoranda em psicologia social da U-M, Micaela Rodriguez. “Este estudo destaca a necessidade de veículos de comunicação e campanhas de saúde pública diferenciarem claramente estar sozinho de sentir-se solitário—e de reconhecerem que passar tempo sozinho, algo inevitável no dia a dia, pode às vezes ser benéfico.”

Usando rigorosos métodos de pesquisa longitudinal, este artigo da Nature Communications—o primeiro a analisar criticamente como a mídia global retrata a solitude—descobriu que pessoas que acreditam que estar sozinhas é prejudicial tendem a se sentir mais solitárias após passarem tempo sozinhas no cotidiano. No entanto, aquelas com uma visão mais positiva da solitude não apenas se sentem menos solitárias nas mesmas situações, mas também experimentam emoções mais positivas.

Ethan Kross
Ethan Kross

“A solidão não diz respeito apenas aos nossos relacionamentos com outras pessoas— também se trata da nossa relação com o tempo que passamos sozinhos,” disse o coautor Ethan Kross, professor de psicologia da U-M. “Nossa pesquisa sugere que aprender a enxergar o tempo sozinho como uma experiência positiva não apenas protege contra a sensação de solidão, mas também promove vivências saudáveis de solitude que favorecem o bem-estar.”

Os resultados desafiam a ideia de que estar sozinho é inerentemente negativo e sugerem que mensagens sociais alertando sobre os perigos de estar sozinho podem, na verdade, ser contraproducentes, fazendo com que as pessoas se sintam ainda pior em sua solitude.

“Nosso estudo abre novas oportunidades para enfrentar a chamada ‘epidemia da solidão,'” disse Kross, que também é pesquisador associado no Centro de Pesquisa sobre Dinâmica de Grupos do Instituto de Pesquisa Social da U-M. “Além de incentivar as pessoas a desenvolverem relacionamentos significativos, devemos ajudá-las a cultivar uma relação mais saudável e positiva com a solitude.”

Um fenômeno global com implicações amplas

Esse efeito não se restringe a uma única cultura. A equipe de pesquisa coletou dados de nove países em seis continentes, incluindo Brasil, África do Sul, Reino Unido, Japão, México, Espanha, Austrália e Polônia. Os resultados sugerem que as crenças sobre a solitude influenciam consistentemente a forma como as pessoas experimentam a solidão em todo o mundo, demonstrando que nossa mentalidade sobre estar sozinho determina se essa experiência será isoladora ou restauradora.

“Esses resultados se confirmam em diversas culturas—desde países como o Brasil e o México, onde há um forte foco na comunidade e na família, até países como Japão e Reino Unido, onde os governos nomearam ‘ministros da solidão’ para enfrentar o isolamento social”, disse Rodriguez. “Também é notável que—em muitos países ao redor do mundo—os benefícios de manter crenças positivas sobre estar sozinho são maiores para as pessoas que passam mais tempo sozinhas.”

Líderes da saúde pública, incluindo a Organização Mundial da Saúde e o ex-Cirurgião-Geral dos EUA, Vivek Murthy, alertaram que a solidão é uma grande ameaça à saúde, associada à depressão, doenças cardiovasculares e até à mortalidade precoce.

No entanto, essa nova pesquisa introduz uma nuance crítica—estar sozinho não é necessariamente o problema. Na verdade, estar sozinho pode ser uma fonte de crescimento pessoal, criatividade e recarga emocional, quando abordada com a mentalidade certa, dizem os pesquisadores.

“Ficamos mais surpresos ao descobrir que as pessoas que veem a solitude como uma experiência positiva não apenas a toleram—elas realmente se sentem mais felizes depois de passarem tempo sozinhas em seu dia a dia,” disse Rodriguez. “Isso contraria a suposição comum de que estar sozinho leva inevitavelmente à solidão e a outros resultados negativos. O mais importante é que sugere que a solitude pode ser um recurso—se a enxergarmos dessa forma.”

Repensando a solidão

Atualmente, as mensagens de saúde pública promovem massivamente a interação social como a solução para a solidão. Mas este estudo sugere uma abordagem complementar: em vez de focar apenas no aumento das conexões sociais, devemos também promover crenças mais saudáveis sobre a solitude.

Mudar o discurso público para reconhecer os potenciais benefícios de estar sozinho pode capacitar as pessoas a vivenciarem a solitude de maneira diferente.

“A maioria das intervenções contra a solidão se concentra em ajudar as pessoas a interagir com os outros e construir conexões sociais,” disse Rodriguez. “Essa abordagem pode ser útil, mas nem sempre é eficaz para aliviar a solidão—porque estar sozinho e sentir-se solitário são coisas diferentes.

“Nossa pesquisa revela outro caminho potencial para reduzir a solidão: ajudar as pessoas a desenvolverem uma relação mais saudável e positiva com o tempo que passam sozinhas. Atualmente, estamos testando uma intervenção projetada para ajudar indivíduos solitários a reformular suas crenças sobre estar sozinho, a fim de melhorar o bem-estar e reduzir a solidão.”