Segundo turno das eleições no Brasil: a ascensão e o impacto do populismo

outubro 11, 2022
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Brazil elections 2022 banner. Image credit: iStock

FACULTY Q&A

As eleições presidenciais no Brasil serão decididas no segundo turno, em 30 de outubro. A disputa é uma das mais acirradas das últimas décadas e reflete uma nação dividida entre dois candidatos conhecidos, o atual presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os candidatos finalistas Bolsonaro e Lula são líderes populistas? Existe algo como populismo de direita e de esquerda?

Henrique Kopittke
Henrique Kopittke

O doutorando da Universidade de Michigan, Henrique Kopittke, do Departamento de Sociologia, estuda a relação entre populismo, democracia e movimentos sociais na América Latina e discute seu impacto nas disputadas eleições de 2022.

Como você analisa o populismo, a democracia e os movimentos sociais atuais no Brasil?

Minha pesquisa trata de processos em que a mobilização popular e os movimentos sociais podem resultar no fortalecimento de contestadores populistas. Este não é um processo que acontece de forma deliberada ou linear. Em vez disso, é uma história do desfecho de opções políticas, de como uma forma política passou a dominar outras e por quê.

Existem muitas definições sobre populismo. Esses relatos geralmente concordam que os populistas idealizam e procuram decretar sua forma de soberania popular, alimentar sentimentos ‘anti-establishment’ e postular um antagonismo fundamental entre o povo e a elite. Se o populismo corrói ou melhora a democracia é um ponto de discórdia.

Os populistas podem expandir a soberania popular e os direitos civis para segmentos excluídos da sociedade enquanto subvertem os mecanismos institucionais de prestação de contas. Isso pode ocorrer para dar uma imagem mais superficial da política, com crenças autoritárias, como a afirmação de Bolsonaro quando disse: “A minoria tem que se curvar à maioria”.

Os movimentos sociais complicam ainda mais o quadro. Na medida em que priorizam suas demandas e identidades e não se submetem inteiramente às necessidades estratégicas dos líderes e de suas coligações, podem tornar a representação menos abafada do “povo”. Os líderes populistas podem se aliar aos movimentos sociais e atender às suas demandas, mas, ao fazê-lo, podem cooptar e subjugar totalmente esses movimentos.

Houve um aumento do populismo no país?

Sim. Em termos de retórica, Bolsonaro enfatiza o antagonismo com o “sistema político”, especialmente o Partido dos Trabalhadores. Ele atacou outros ramos do governo, os associando à corrupção e os acusando de usurpar a democracia. Além disso, mobilizou seus seguidores para manifestar seu repúdio ao Supremo Tribunal Federal, tendo como alvo os ministros que censuravam apoiadores do presidente.

Além da retórica e da mobilização, seu estilo de liderança populista também se destaca pela comunicação contínua com seus seguidores por meio das redes sociais, transmissões ao vivo diárias e reuniões de imprensa, onde seus seguidores têm agredido jornalistas.

Olhando além de Bolsonaro, sua eleição em 2018 foi resultado do fracasso dos partidos políticos em apresentar uma resposta coerente à crise multifacetada que a sociedade brasileira vive desde 2013. Bolsonaro já capturou grande parte da raiva e indignação do eleitorado. Lula aposta no desejo popular de retornar a um passado mais próspero – e ordeiro. O cenário político está saturado, sem oportunidades para o surgimento de novos atores ou propostas.

Lula e Bolsonaro são considerados líderes populistas? Ou estão apenas usando estratégias populistas para capturar votos rumo ao segundo turno?

Uma forma diferente de abordar o populismo é vê-lo como uma estratégia utilizada por atores que buscam mobilizar apoio e consolidar poder. Portanto, o foco não está em definir qual líder ou movimento é populista, mas em como e quando as estratégias populistas são usadas. Os componentes dessa estratégia podem ser a mobilização popular, o antagonismo e a comunicação direta.

Lula e Bolsonaro se comunicam de maneira popular ​​e direta. Ambos têm elementos antagônicos em sua retórica. Mas as semelhanças param por aí. Lula transita com facilidade entre diferentes formas de discurso e modula sua comunicação de acordo com o eleitorado a que se dirige. Bolsonaro é mais consistente em antagonizar instituições e retratar seus apoiadores como a “verdadeira maioria.”

Qual a diferença do populismo de esquerda e o de direita?

Os líderes populistas de esquerda geralmente enfatizam os antagonismos econômicos e de classe, se concentrando na oposição ao “grande negócio” ou ao “capital financeiro”. Os populistas de direita enfatizam os antagonismos culturais. Na América Latina, os populistas neoliberais antagonizam as burocracias dos Estados como locais de ineficiência, corrupção e incompetência.

Bolsonaro segue padrões conservadores e neoliberais, culpando os retrocessos em sua presidência a ativistas “infiltrados” do Partido dos Trabalhadores e fazendo uma cruzada contra a “degeneração” e a “corrupção de valores” incorporadas por celebridades e artistas que se opõem a ele. A xenofobia e o racismo também são características dos populistas de direita.

Como você explica o crescimento de políticos populistas na América Latina?

Existem fatores estruturais e contingentes. Líderes como Bolsonaro e Hugo Chávez na Venezuela ficaram sob os holofotes durante graves crises sociais e econômicas. É o fator contingente. Bolsonaro surgiu depois que escândalos de corrupção desmoralizaram a classe política brasileira, juntamente com uma recessão econômica contundente e agitação popular contínua. Elementos estruturais também explicam como essas crises atingem os sistemas políticos latino-americanos com mais força do que em outros lugares.

No Brasil, eu colocaria fatores estruturais adicionais: a fraqueza institucional geral dos partidos políticos, que se beneficiam mais de formas personalistas de política; os fracos compromissos democráticos das elites nacionais, e finalmente e talvez o fator mais importante, a forte desigualdade. Essa desigualdade no Brasil faz com que grandes setores da população se sintam excluídos da política. Ainda assim, isso também significa que perspectivas supressoras e autoritárias de quem conta como “os justos” podem prosperar e se tornar discurso oficial.