Um antigo antidepressivo poderia tratar a anemia falciforme? Testes em camundongos e células sanguíneas humanas são promissores
ANN ARBOR—Uma droga antidepressiva usada desde os anos 60 também promete tratar a anemia falciforme, segundo uma nova e surpreendente descoberta da equipe médica da Universidade de Michigan feita em camundongos e células vermelhas sanguíneas humanas.
Com financiamento dos Institutos Nacionais da Saúde, cientistas da U-M, que passaram mais de três décadas estudando a biologia básica dessa condição, descobriram que o “tranylcypromine”, ou TCP, pode essencialmente inverter os efeitos da anemia falciforme.
As descobertas, publicadas no Jornal de Medicina Natural (Nature Medicine), agora abrem caminho para o planejamento de testes clínicos em pacientes adultos que estão em condições delicadas, com risco de morte. A descoberta também pode levar a outros tratamentos da doença, que levam as células vermelhas sanguíneas disformes a provocar dano vascular e a morte prematura.
Mas os pesquisadores avisam que ainda é muito cedo para a droga ser usada no tratamento de rotina da anemia falciforme, uma doença genética herdada que afeta dezenas de milhares de americanos e outros milhões de pessoas em todo o mundo.
O clímax de uma década de descoberta
No novo estudo, os pesquisadores descrevem um cuidadoso esforço para testar o efeito do TCP na produção do corpo de uma determinada forma de hemoglobina – a proteína-chave que permite que as células vermelhas sanguíneas transportem o oxigênio.
A droga atua em uma molécula dentro das hemácias chamadas LSD1, que está envolvida no bloqueio da produção da hemoglobina fetal. Depois de muitos anos da pesquisa, o time da U-M começou a focar na importância do LSD1 como uma droga alvo.
Então, eles literalmente fizeram uma pesquisa no Google à procura de drogas que agem no LSD1. Foi desta forma que eles encontraram o TCP, que desde 1960 é usado para tratar depressão severa.
No novo estudo, eles descrevem como o TCP bloqueou o LSD1 e impulsionou a produção da hemoglobina fetal – contrabalanceando o impacto devastador da forma “adulta” anormal da hemoglobina que os pacientes com anemia faciforme produzem.
“Esta é a primeira vez que a síntese da hemoglobina fetal foi reativada a tão alto nível, tanto em células de sangue humanas quanto em camundongos, com o uso de uma droga.
Isso demonstra que uma vez que você entende o mecanismo biológico básico sujacente a uma doença, você pode desenvolver drogas para tratá-lo,” diz o diretor do Departamento de Célula e Biologia Evolucionista da U-M, Doug Engel, doutor em filosofia, e autor sênior do estudo. “Essa pesquisa foi impulsionada por um grande esforço para descobrir os detalhes de como a hemoglobina é produzida durante seu desenvolvimento, não com um foco imediato na cura da anemia falciforme, mas somente com o objetivo de compreendê-la”.
Engel dá crédito à dedicação e à persistência de sua equipe, inclusive de um antigo professor assistente da pesquisa, o médico Osamu Tanabe, doutor em filosofia, agora da Universidade Tohoku de Japão, de uma colega de pos-doutorado da U-M, Lihong Shi, e primeira autora do estudo, e do instrutor de pesquisa, o Ph.D. Shuaiying Cui.
Em conjunto, eles identificaram o papel fundamental do LSD1, e a sua interação epigenética com dois receptores nucleares nos núcleos precursores de células vermelhas sanguíneas, chamados TR2 e TR4. Trabalhando em paralelo, eles contem a expressão do gene que produz a hemoglobina fetal – um efeito chamado silenciador genético. Deste modo, interferir nesta coibição permite que as sub-unidades de hemoglobina fetais sejam produzidas.
O tratamento com o TCP fez com que a hemoglobina fetal fosse produzida em abundância, compondo 30 por cento de toda a hemoglobina em células sanguíneas humanas cultivadas – um resultado que Engel chamou de “alarmante”. O TCP é aprovado pelo FDA, embora os pacientes que o tomam tenham de seguir uma dieta rigorosa para evitar interações da droga com certos produtos químicos contidos em alguns alimentos.
Estimulando a Hemoglobina Saudável
A anemia falciforme ocorre quando uma pessoa ou o animal herdam duas cópias defeituosas de um gene que governa a produção “adulta” da hemoglobina. James Neel, diretor do Departamento de Genética Humana da U-M, co-descobriu a base genética da doença no final dos anos 40.
As pessoas que têm somente uma cópia do gene alterado normalmente não adoecem, mas se elas tiverem uma criança com outra pessoa que têm as mesmas características, essa criança tem 25% de chance de desenvolver a doença. Aproximadamente 2.5 milhões de americanos – incluindo um em cada 12 afro-americanos e um em cada 100 latinos – transportam uma cópia do gene globina alterado.
Na anemia falciforme, o corpo produz uma forma adulta da hemoglobina que pode se agregar fazendo com que as células vermelhas sanguíneas fiquem em formato de C ou de “foice”, rígido e pegajoso. Aquelas células obstruem pequenos vasos sanguíneos nos membros e órgãos internos, causando dano do órgão, dor, e aumentando o risco da infecção. A estimativa de vida nesses pacientes é menor.
Em um número pequeno de pacientes com anemia falciforme, a forma fetal da hemoglobina – que normalmente só é produzida no ventre e nos primeiros dois meses de vida – continua a ser produzida em todas as fases da vida. Esses pacientes têm sintomas que são menos severos ou praticamente não existem.
Atualmente, o tratamento mais comum da célula de foice, o hydroxyurea – que é oral-, tenta aumentar a produção da hemoglobina fetal. Os outros, incluindo as transfusões e transplantes de células tronco (medúla óssea) de doadores sem relações familiares, têm o objetivo de trocar a fonte de fornecimento das células vermelhas sanguíneas.
Mais Estudos
O médico Andrew Campbell, que dirije um programa que estuda a anemia falciforme, no Hospital das Crianças Mott, e trabalhou com Engel em pesquisas anteriores, acredita que essas descobertas são excitantes para os pacientes com este tipo de anemia, considerando que não há muitas opções de tratamento. Mas ele observa que outras pesquisas clínicas são necessárias para determinar se os resultados em camundongos e precursores das células vermelhas humanas cultivadas vão funcionar em seres humanos com o TCP ou até mesmo outras drogas que desativem o LSD1.
O primeiro teste clínico está sendo planejado com a equipe que estuda a anemia falciforme da Universidade Estadual Wayne de Detroit. Caso os testes sejam aprovados, mais informações serão divulgadas ainda este ano. Ao mesmo tempo, a U-M está explorando outras possíveis drogas para o mesmo tratamento.
Engel está trabalhando com o psiquiatra da U-M, o médico Juan Lopez, para estudar o efeito do TCP – e outros antidepressivos conhecidos como inibidores ‘monoamine oxidase’ – na produção de hemoglobina em adultos. O estudo ainda está buscando voluntários que já tomam essas drogas para tratar as depressões mais sérias. Para saber mais sobre esse estudo, escreva para [email protected]
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