Como países em cinco continentes responderam à pandemia, ajudando a moldar o futuro da política de saúde
ANN ARBOR—As frases de abertura de “Anna Karenina” de Tolstói, em que o autor russo atesta que “As famílias felizes são todas iguais; cada família infeliz é infeliz à sua maneira,” também podem ser aplicadas às respostas dos países à COVID-19 em todo o mundo, dizem pesquisadores da Universidade de Michigan.
Os professores da U-M, Scott Greer e Elizabeth King e Elize Massard da Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas, instituição parceira da U-M, lideraram um projeto analisando as respostas iniciais do governo de 34 países em cinco continentes à pandemia emergente da COVID-19 e como essas decisões afetaram a saúde e a vida de seus cidadãos.
Eles reuniram uma equipe de cerca de 70 pesquisadores de saúde pública e cientistas políticos que mergulharam na compreensão da política e planos das respostas dos governos— concentrando-se no que os políticos fizeram, para o bem e para o mal, em vez de olhar apenas para dados como o número de mortes e a curva de contágio da doença.
Em um retrato amplo e aprofundado de como diferentes nações responderam à mesma pandemia, a equipe liderada pela U-M descobriu que os poucos países que foram relativamente bem-sucedidos no final de 2020 foram semelhantes em suas respostas.
Esses “países felizes”—como Coréia do Sul, Vietnã, Nova Zelândia e Dinamarca— tiveram uma resposta rápida de saúde pública por meio de intervenções não-farmacêuticas (uso de máscara, diretrizes rígidas sobre como desligar as coisas). Eles rapidamente implementaram testes robustos e respostas de rastreamento de contato para impedir a propagação do vírus, pagaram às pessoas para ficarem em casa e fizeram um trabalho sério e rápido de saúde pública—terminando com “o melhor dos dois mundos”, dizem os pesquisadores.
“Os governos responderam de maneiras divergentes para gerenciar a pandemia da COVID-19 e nosso trabalho mostra por que os países fizeram o que fizeram,” disse Greer, professor de gestão e política de saúde na Escola de Saúde Pública da U-M. “Queríamos começar a identificar o que era mais importante e explicá-lo para moldar futuras conversas sobre o significado e as lições desta doença para a política comparada e a política de saúde.”
Greer, King e Massard da Fonseca, que coeditaram “Coronavirus Politics” com o especialista em saúde pública português André Peralta-Santos, recolheram dados dos primeiros nove meses de 2020, quando a gestão da pandemia dependia de intervenções não farmacêuticas e sistemas de suporte para teste de rastreamento de isolamento.
“O objetivo principal era reunir um grupo de acadêmicos interdisciplinares com profundos conhecimentos específicos de um país ou região para descrever a saúde pública e as respostas das políticas sociais,” disse King, professora associada de comportamento e educação em saúde na Escola de Saúde Pública da UM. “E também para fornecer explicações sobre como e por que os países estavam respondendo da maneira como o fizeram durante a primeira onda da pandemia.”
Países infelizes
Embora os “países felizes”, ou aqueles que responderam corretamente à COVID, fossem semelhantes em suas abordagens para lidar com a pandemia, cada um dos “países infelizes”, ou aqueles que agiram de forma errada, foram infelizes à sua maneira, dizem os pesquisadores.
Esses países, como Estados Unidos, Brasil e Rússia, responderam com políticas variadas—algumas esperadas e outras não. Por exemplo, esses governos deram alguns estímulos e essencialmente tornaram possível ficar em casa, mas não construíram nenhuma infraestrutura de saúde pública.
Em ambos os casos—e por razões diferentes, considerando que os sistemas políticos são diferentes—os EUA e o Brasil foram “dois países realmente proeminentes que ofereceram um enorme estímulo econômico e social e simplesmente não adotaram políticas de saúde pública coerentes,” dizem os pesquisadores.
“Você vê os efeitos na mortalidade, você vê os efeitos no número de casos,” disse Greer. “A população apreciava o dinheiro e muitos ficavam em casa, mas aí, na falta de política de saúde pública, gerou o caos estado por estado. Parece que o ideal é associar a política social com ferramentas da saúde pública.”
A Índia pode ter usado um método diferente para “errar”, dizem Greer, King e colegas. O governo da Índia ignorou a política social, produzindo uma tragédia diferente. O governo disse à população para ficar em casa, depois percebeu que milhões de trabalhadores migrantes tinham que trabalhar para comer.
“Quando interrompem os trabalhos,, ficam todos morrendo de fome,” disse Greer. “Não sabemos ainda, mas pode ser que o ‘lockdown’ na Índia tenha matado mais pessoas do que o vírus. É bem possível.”
De acordo com King, “é difícil ter uma resposta bem-sucedida à COVID-19 sem responder com políticas sociais que permitem que indivíduos, comunidades e empresas sobrevivam às consequências sociais e econômicas da pandemia.”
Líderes importam
A capacidade do Estado de responder à pandemia foi menos importante do que a política. Alguns líderes de países com forte capacidade estatal, como Donald Trump (Estados Unidos), Jair Bolsonaro (Brasil), Sebastián Pinera (Chile) e Boris Johnson (Reino Unido), não conseguiram usar essa capacidade de forma eficaz contra a pandemia COVID-19 , dizem os pesquisadores.
Tanto Trump quanto Bolsonaro adotaram abordagens negativas destrutivas para a epidemia, o que minou os esforços para responder de forma eficaz, dizem eles.
“Presidencialismo e governos autoritários, em geral, garantem a esses líderes instrumentos poderosos, que nas mãos de um negador populista podem ter efeitos devastadores na resposta à COVID-19”, disse a co-editora Massard da Fonseca, professora assistente de administração pública da Escola Paulista de Administração de Empresas, da FGV.
“O Brasil estava muito bem posicionado para lidar efetivamente com a pandemia, mas infelizmente não o fez, mesmo tendo uma infraestrutura de saúde e pesquisa relativamente robusta.”
Os pesquisadores concluíram que esta pandemia mostra que existem sérios problemas de coordenação na governança global da saúde. Em um país atrás do outro, a diferença na vida das pessoas hoje, em comparação com cerca de um ano atrás, é o resultado das decisões de política pública.
“As instituições políticas são importantes e precisamos de análises adicionais para melhor compreender e preparar os países para futuras crises de saúde,” disse Greer. “Há muitos mortos em todo o mundo por causa de decisões políticas.
“As vacinas mostram uma esperança que surpreendeu a maioria dos observadores informados. Elas criaram confiança em meio à confusão vista em muitos países—embora a política vá determinar mais uma vez se essa esperança será cumprida.”
Uma versão online gratuita do Coronavirus Politics já está disponível.